“Eu não sou tão triste assim, é que hoje eu
estou cansada”, disse Clarice Lispector. Ultimamente a exaustão é minha companhia
diária. Ontem, ao chegar em casa após mais um dia exaustivo, desabei... Não sou
tão forte quanto pensam. Às vezes, desabo. Porém, a vida não tarda em encontrar
um jeito de me surpreender, me oferecer uma resposta e me reerguer. Neste
sábado, atrasei-me para a aula de um curso que frequento na Fundação Lar
Harmonia, então resolvi assistir uma palestra do evangelho. Dezenas de pessoas
ali estavam escutando a apresentação de Isabel Guimarães, mas aquelas palavras
eram pra mim...
“Enquanto caminhava, Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome
Marta, o recebeu em casa. Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor,
e ficou escutando a sua palavra. Marta estava ocupada com muitos afazeres.
Aproximou-se e falou: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha
com todo o serviço? Manda que ela venha ajudar-me!”. O senhor, porém,
respondeu: “Marta, Marta! Tu andas inquieta e te preocupas com muitas coisas; no
entanto, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, e esta não
lhe será tirada.” (Lucas cap. 10, ver. 38
a 42).
Marta sou eu. Martas são todas
as mulheres e homens que estão fatigados com tantas tarefas, com tantas
preocupações, com responsabilidades excessivas. Pra lá e pra cá, pra lá e pra
cá... Martas somos nós, os perfeccionistas, os escravos do fazer sempre mais e
sempre melhor. Ontem, quando desabei, foi mais que esgotamento físico e mental,
foi por me sentir fora da minha vida... “Andas
inquieta e te preocupas com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária...”.
Viver plenamente... Acho que foi isso que Jesus quis dizer. Acho que é disto
que estou sentindo falta. Fruir a vida em todos os seus âmbitos, sem
entregar-se às coisas efêmeras. Esta foi a escolha de Maria, que se permitiu
parar para aproveitar o momento singular de sua vida. Marta, ao contrário, se
privou daquela chance de ouvir o Mestre em razão de todos os serviços e
responsabilidades que achava que tinha. Quando apenas uma coisa consome o maior
tempo de nossas vidas, somos privados de viver todas as outras coisas que
poderíamos conhecer, aprender, agregar, até dispensar, mas viver. E a privação
é o antônimo da plenitude.
A Marta de hoje precisa estar
em vários locais ao mesmo tempo, por isso não dispensa os recursos tecnológicos
(mas não tem tempo para contemplar a natureza), não desgruda os olhos do telefone
celular (mas não olha nos olhos de quem está a sua frente), tem que cuidar da
casa e da aparência (mas descuida do seu mundo interior), falta-lhe tempo para
dar conta dos inúmeros compromissos de trabalho (e para se comprometer com algo
que requeira autodoação), está sempre preocupada em estar esquecendo alguma
coisa (e de fato está esquecendo muitas...).
As Martas de hoje têm (ou já
tiveram ou terão) hiperatividade, estresse, pânico, transtorno obsessivo
compulsivo, hipertensão, diabetes, dependência química, ansiedade, fobias ou
outros transtornos neuróticos. Porque toda pessoa precisa parar, respirar, dar
limites, contemplar, conhecer-se, meditar, calar e ouvir. Permitir-se ser um
pouco Maria. Eleger prioridades. Impor limites. Não se deixar contaminar pelo
desequilíbrio alheio. Fazer algo que goste. Espiritualizar-se. Melhorar-se.
Fruir a vida. Viver...
“Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada”.
Por Aline D’Eça
Em 11/05/2013